terça-feira, 2 de outubro de 2007

Testemunho do encenador


“Todos eles são seres humanos, e o seu estatuto na vida, religião ou cor são totalmente irrelevantes para mim. Além disso as cláusulas da Constituição do meu país relativas a casos como o presente dizem que em nenhuma circunstância a religião ou as convicções políticas de um estrangeiro, o impediriam de procurar refúgio no território português. Eu sou cristão, e como tal acredito que não devo deixar esses refugiados sucumbir. E, assim, contra ordens que, em meu entender, são vis e injustas, declaro que darei, sem encargos, um visto a quem quer que o peça.”

Com estas palavras argumentou Aristides de Sousa Mendes na sua defesa perante as acusações de desobediência que o Estado Novo de Salazar lhe dirigiu na sequência dois acontecimentos de Bordéus em Junho de 1940. Sousa Mendes pagou caro a sua desobediência. Condenado à inactividade, impedido de trabalhar, ficou arruinado e acabou os seus dias vivendo da caridade alheia. Morreu em 1954 e só foi reabilitado pelo Estado Português em 1987.

Foi a riqueza humana desta história e a superioridade moral de um homem que ousou enfrentar a dureza cega de um regime totalitário, que me entusiasmaram desde logo quando li a peça de Luiz Francisco Rebello.A isso veio juntar-se a profunda admiração pelo dramaturgo e pela importância da sua obra multifacetada, pelo seu perfil humano e pelo seu talento de escritor.

Foi um enorme prazer a aventura de tentar pôr em cena “ A Desobediência”. Que os resultados sejam compensadores, é o que toda a equipa que trabalhou no Teatro da Trindade se esforçou por conseguir.

Rui Mendes,
actor e encenador

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