terça-feira, 2 de outubro de 2007

o rebelde consciencioso



...O que levou Aristides de Sousa Mendes, um respeitável mas não destacado membro do corpo consular português a, numa actividade febril, querer salvar todos, independentemente de nacionalidade, raça e religião, concedendo vistos para a vida não autorizados pela sua Chancelaria?

O que explica o imprevisível, o acaso de sua actuação, que foi uma corajosa expressão do melhor do coração humano?

A palavra coragem provém do francês que por sua vez a hauriu do latim cor – coração –com o sufixo age, um aumentativo de reforço. Significa moral forte perante o perigo, firmeza de espírito. É a esta firmeza de espírito que alude Cícero quando diz que a coragem é uma virtude que consiste em enfrentar os perigos e suportar os trabalhos

A coragem é uma virtude rara pois é difícil ter a firmeza de espírito nas situações-limite do perigo. A coragem é uma virtude que transcende as necessidades da vida e as exigências das profissões e, como foi o caso de Sousa Mendes, frequentemente exige a via solitária do rebelde consciencioso.

Creio que Aristides de Sousa Mendes encontrou forças para ter a coragem do rebelde consciencioso porque na introspecção dos dias 14, 15 e 16 de Junho de 1940 parou para pensar o que estava acontecendo à sua volta. Sentiu que não poderia conviver com a sua Consciência e o seu Ser, se não enfrentasse o avassalador mal activo e passivo com a afirmação do bem, em consonância com a sua profunda fé cristã e o preceito do amor ao próximo como a expressão mais alta do amor.

Daí a dimensão exemplar de sua actuação que merece estar nos “lieux de mémoire” dos homens de bem. A ele rendo o meu tributo, como estudioso e defensor dos direitos humanos; como discípulo de Hannah Arendt e de Norberto Bobbio; como ex-chanceler do Brasil, sensível à relevância da herança portuguesa que nele sente, para recorrer a Miguel Torga, a presença do vento lusitano como uma expressão do «...sopro humano/Universal/Que enfuna a inquietação de Portugal» e como quem tendo consciência de suas raízes reconhece a luz da acção de Aristides de Sousa Mendes em meio à imensa treva do Holocausto.

Celso Lafer,
Professor de Direito
da Universidade de São Paulo

(Extraído de www.ieei.pt/index.php?article=1596&visual=4 O Mundo Português, N°55)

1 comentário:

desobediencias disse...

Como escreveu Oscar Wilde em The Soul of Man Under Socialism (1891),Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem. O progresso é uma conseqüência da desobediência e da rebelião.

Arquivo do blogue