quinta-feira, 25 de outubro de 2007

gestos de desobediência


...o agreste tema da obediência que mata (a alma, e não só) e da desobediência que salva foi o motor manifesto e obsessivo da Antígona de Sófocles. Nela, o tirano de Tebas, Creonte, encarna na perfeição o Estado e as suas "razões", enquanto sua sobrinha, a desobediente Antígona, ao dar sepultura aos irmãos insurrectos, contra a vontade expressa e institucionalmente ratificada do tio -lá está o coro para dizer amén, ontem como hoje,a tudo o que ele quer- encarna uma outra lei, humana, informulada, pois vive mais na consciência do que no papel, mas superior ou anterior à do Estado. Não admira que o trágico grego qualifique, soberbamente, Antígona recorrendo a um oxímoro, singular artifício que extrai do paradoxo uma superabundância de sentido. Sim, Antígona é, para Sófocles, santamente criminosa, querendo ele, com isso, dizer-nos que a princesa é criminosa aos olhos do Poder (Creonte), porém santa aos olhos dos deuses e perante a sua consciência. Acusa-a Creonte de não ver um palmo diante do nariz, de não ter olhos para a divina ordem do Estado, ao que Antígona responde ironizando sobre a "divindade" de tal ordem, ao preferir, de longe, que ela antes fosse, tão-só, humana.

Mais de 2500 anos depois de Antígona, Aristides de Sousa Mendes como que lhe repete o gesto, ao dar ouvidos à inaudível voz da consciência, em detrimento das ordens que o Estado português impunha ao seu cônsul em Bordéus. Terá salvo, desse modo, cerca de trinta mil judeus, que se foram juntar , sãos e salvos, no bom porto norte-americano, aos muitos mais que puderam zarpar de Lisboa. Desobedecu Sousa Mendes, movido pelos ditames da consciência. Decidiu desobedecer, sozinho, na inviolabilidade do diálogo interior, sem alardes, nem esperança de prebendas ou sinecuras, mas, por certo, antevendo os rigores que doravante e até ao fim dos seus dias, se abateram sobre ele e a numerosa família, de quem era o único sustento. Desobedeceu em silêncio. Um silêncio que é a própria vida da consciência.

José Alarcão Troni,
Presidente do INATEL
( Extracto do texto de apresentação, "Gestos de Desobediência", inserido no press release A Desobediência)

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